28 agosto 2013

Egolatria vs. Conteúdo



Este texto é uma resposta à malfadada matéria no caderno de Cultura do Globo com o autor e editor Raphael Draccon, onde ele professa o fim dos autores "reclusos" (ou seja, sem presença online) e solta pérolas como:

"É preciso que sua história de vida e sua personalidade sejam tão impactantes quanto a fantasia que você criou."
"Esse autor introspectivo, que passa o dia dentro de casa escrevendo, não existe mais. Rubem Fonseca, hoje, não seria publicado. Ele é de outra escola, outra época."
"Se o cara ainda não chegou até mim, é porque ele não está pronto para o mercado."
"Fazemos uma varredura da vida online da pessoa. Se houver um post sequer dela falando mal de outro autor ou comprando briga na internet, ela é cortada na hora."

Traduzindo, autor que "perde tempo" se especializando, escrevendo, revisando, TRABALHANDO, não será um sucesso. Quiçá publicado. E mesmo que ele saia de seu casulo hermético e se arrisque nas trincheiras do mercado editorial, não pode falar mal, não pode arrumar briga com outros escritores. Tem que ser "bom moço", mesmo que isso deponha contra a sua credibilidade ou com a sua ética.

Ou seja, autores como o citado Rubem Fonseca, ou Ernest Hemingway, ou F. Scott Fitzgerald ou Dalton Trevisan não teriam chance hoje em dia, pois são "de outra escola", ou reclusos demais. Ou Bukowski, Fante, Céline, Burroughs, entre outros, por serem "brigões" demais, especialmente com os outros autores.

Outra escola, outro tempo. Qualidade de um autor hoje em dia se mede pela quantidade de seguidores no Twitter ou amigos no Facebook. Que trata qualquer excrecência verborrágica como obra de respeito, apenas para não arrumar briga. Que não se preocupa com a qualidade do texto, mas em publicar, o mais rápido possível, e angariar fãs. Sim, fãs, pois autor moderno não precisa de leitores, mas de uma legião de fanáticos descerebrados defendendo seu objeto de adoração com ferro e fogo. Aliás, nem sei porque me preocupei em citar os autores lá em acima. Autor hoje em dia não lê. No máximo Harry Potter. Várias vezes. Até decorar.

Mas quer saber? O Raphael tem razão. Ele foi infeliz na maneira que disse (e com certeza irá usar a carta do "fui incompreendido" para se explicar), mas no fundo ele está certo. O mercado literário dá cada vez menos atenção à qualidade do material e mais em quem está escrevendo. Ou não veríamos abominações como a "saga" Crepúsculo e "50 Tons de Marrom" (EU SEI!) vendendo que nem pão quente. Ou biografias do Edir Macedo e bobagens proselitistas do Pe. Marcelo Rossi sempre no topo dos mais vendidos das livrarias.

O leitor-consumidor compra os autores, não os livros. O conteúdo, a literatura, a qualidade da obra, é o que menos pesa na hora de escolher um livro. As editoras sabem disso. O Raphael Draccon sabe disso. Você sabe disso. O mercado editorial não é o mercado literário. É o mercado do ego, o mercado da celebridade do momento, da polêmica vazia, do bafafá, do papo de cafezinho. É isso que vende. É isso que dá dinheiro. Questionamentos? História densa? Personagens ambíguos? SEM FINAL FELIZ? Muito obrigado mas não, obrigado.

E de quem é a culpa? Não, não é do Raphael Draccon (Aliás, quem é Raphael Draccon?), que com seu ataque de egolatria imatura apenas escancarou o que já acontece por aí. É das editoras? Também não. Editoras precisam lucrar. São um negócio como qualquer outro.

Sabe de quem é a culpa? É sua. É minha. É nossa. Nós que damos asa a esse pensamento torto, comprando essas bobagens que eles empurram, buscando as famigeradas "nãotícias" dos portais de celebridades, transformando pessoas obtusas e superficiais em ideais de sucesso. Nós que deixamos de ler uma obra de qualidade apenas para comprar no lugar a bobagem que está "na moda", que está "na mídia".

É preciso largar um pouco essa postura de "consumidor de enlatados" e essa mania desesperada de "estar na onda do momento" e criar um pouco de espírito crítico. Não precisa de muito. Comprar um livro pois ele te interessou, seja no tema, seja na trama, seja porque já leu algo do autor antes e gostou. Não porque apareceu matéria elogiosa na Veja ou porque o autor é uma "celebridade". E, caso o livro não corresponda às suas expectativas, ser sincero a esse respeito. Nem é tão difícil fazer isso, garanto.

Quebrar esse ciclo é responsabilidade nossa. Se não mudarmos nossa postura e nossa atitude, no futuro  veremos muitos outros editores como o tal Raphael Draccon surgindo por aí. E nem vamos poder reclamar, ou eles irão nos tirar de suas famigeradas listinhas.

3 comentários:

Cláudio B. Carlos disse...

Isso aí!
Grande abraço.

Anônimo disse...

Oi, gostei do que você escreveu! Queria deixar aqui um comentário que fiz no Facebook também sobre a "polêmica do Draccon". Fiquem a vontade para discordar!

Anônimo disse...


Eu conversei hoje com meu namorado, José Roberto Vieira pra quem não sabe, sobre toda essa polêmica da entrevista do Raphael Draccon. Sinceramente, tem uma coisa que eu tô há anos guardando e resolvi falar. Eu acho que ninguém é perfeito e é impossível concordar com tudo que alguém fala. Não concordei com tudo que o Draccon disse, mas tem um ponto que eu aplaudi! É ridículo como muitos autores nacionais e aspirantes a autores se portam na internet. O pessoal fica se atacando desnecessariamente, se xingando, mandando indireta e se cutucando todo santo dia. Vi muito autor que não gosta do Draccon esfolando o dedo no twitter pra atacá-lo. Pergunto: o que de bom isso trará pra você? Já vi autores que se bloquearam nas redes sociais ficarem se xingando e outros autores levando e trazendo os comentários em mensagens pessoais! O que é isso?!?! Esse pessoal deveria focar sua energia na autopromoção, mas perdem tempo atacando autores que não gostam! Gente, que absurdo! Depois se perguntam porque não conseguem engrenar na carreira de escritor. Ficam vomitam asneiras nas redes sociais achando que abaixar o próximo vai te erguer. Não vejo um pingo de profissionalismo nisso! Essas mesmas pessoas só leem livros dos amigos e não falam a verdade quando não gostaram de um livro. Aliás, nesse meio, criticar negativamente não significa que você não gostou dele, mas sim que você é um idiota sem coração. Qual a lógica nisso? Esse pessoal tem que decidir se escrever é hobby ou profissão e, se escolher a segunda opção, tem que parar de misturar amizades com sua carreira. Vi autores se atrasando por não quererem machucar amigos e fechando portas por falarem mal de outros autores publicamente. Eu tenho sonhos de um dia publicar um livro e ser bem sucedida, mas nem de longe quero trazer minhas aspirações pra esse mundinho mesquinho que esses círculos fechados criaram. Eu acredito que se você não gosta verdadeiramente de um autor e o vir falando algo que não aprovou, simplesmente ignore. Você também pode agir profissionalmente e expressar sua opinião com "não gostei por isso, isso e isso" ou "você foi muito infeliz no que falou e não concordo". É por isso que o mercado editorial brasileiro não é levado a sério. Nós não o tratamos com profissionalismo! Há vários autores que eu conheço que são bons e são pessoas interessantes e agradáveis, mas que infelizmente agem assim. Se você se identificou com o que acabei de falar, sinta-se livre para falar comigo. Não vá simplesmente me atacar nas redes sociais. Por favor, sejamos adultos e civilizados! Outra coisa. Brasileiros têm mania de pensar que editora é instituição de caridade! Reclamam que o preço do livro tá caro pelo twitter em um Samsung Galaxy ou iPhone e esquecem que o livro tem pagar o custo da publicação e gerar lucro para a editora e o autor. Se você quer continuar lendo um autor, precisa investir financeiramente nele e na editora ou ninguém terá dinheiro para publicá-lo. Além disso, quando autores mandam manuscritos para editoras, ele têm a mania de achar que são o novo Tolkien e JK Rolling do Brasil. Falta maturidade e autocrítica, além de bom senso. Muitos também pensam que estão fazendo um favor à editora! Meus queridos, uma editora é uma empresa e vocês precisam enxergá-la como tal. Se você vincular seus perfis sociais a ela e postar indecências e putaria, é claro que ela têm o direito de não lhe aceitar como membro porque você manchará a imagem da empresa. Várias empresas pesquisam os candidatos online, mas quando uma editora faz isso é falta de caráter? Não entendo a lógica! Se você quer soltar asneiras a vontade online, então crie o seu perfil público de autor e bloqueie o seu perfil pessoal para que seja visível só para seus amigos. Muitos aqui querem se tornar figuras públicas, mas não sabem se comportar publicamente. Os inteligentes separam a vida pública da pessoal a fim de se protegerem. Simples assim.