18 outubro 2010

Liberdade


Ela puxou o longo vestido com as mãos enluvadas, evitando sujar a barra e os tafetás na poça imunda do meio fio. Teve que se equilibrar sobre o salto agulha do sapato de impecável pelica, branca como o resto do vestido. Em uma das mãos segurava junto ao peito um buquê de rosas brancas e lírios escolhidos naquela manhã. Com a outra ajeitou na cabeça a tiara presa à longa grinalda que jazia enrolada em seu braço. Toda branca, toda pura, exceto pelas cascatas negras que escorriam por sua face. Evitou todo e cada um dos olhares que se fixavam nela. Sabia ser uma figura antagônica, uma noiva entre malas, lanches, recomendações e agasalhos de moletom. Caminhou resoluta até o guichê e pediu uma passagem. Tirou o dinheiro de uma bolsa não condizente com o resto dos trajes e agradeceu com um suspiro. Portou o bilhete firmemente nas mãos até chegar ao local do embarque. Não havia ônibus algum lá, então ela tirou a tiara e esperou. As cascatas negras voltaram-se para a entrada da rodoviária duas vezes apenas. Uma quando o ônibus finalmente chegou. Outra quando ela entrou, apertando a imensa saia junto ao corpo. Ao passar por um grupo de garotas que aguardavam sua vez de embarcar, abriu a janela e atirou-lhes o buquê, o sorriso desviando as lágrimas.

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