18 agosto 2010

Turistas do Tempo



O primeiro foi em uma maternidade. “Eu queria me ver nascendo”, disse o rapaz que invadiu a sala de parto. Na delegacia explicou que viera do futuro, que usou uma máquina do tempo e que já tinha viajado por todos os melhores momentos de sua vida. Que havia deixado o nascimento para o final. Mas por que alguém com a capacidade de viajar no tempo viajaria para a própria história, a qual já havia sido testemunha? Por que não voltava, por exemplo, para o nascimento de Cristo então? “Não é assim que funciona”. Arrancou risadas dos policiais que o prenderam. Não aceitaram seu cartão de crédito como documento. Não interessa que tem foto! Senta aí, vagabundo. A notícia foi registrada em uma nota de rodapé nos jornais apenas graças à sua fuga naquela mesma madrugada. Sem arrombamento, sem invasão, sem truques. Nada. Tinha simplesmente sumido.

A investigação da corregedoria mal havia começado quando outros relatos semelhantes surgiram. Reclamações reincidentes de malucos invadindo casas se dizendo versões mais velhas de alguém. Apareciam e desapareciam. Uma epidemia. Surgiam normalmente em aniversários, formaturas, casamentos, primeiros beijos. Sempre muito emocionados. Não incomodavam. Eram apenas testemunhas. Por que não tentavam mudar alguma coisa? Corrigir algum erro, reconquistar um grande amor, evitar um grande prejuízo? “Não é assim que funciona”, respondiam sempre. E como funciona? Sorriam respostas.

Logo o fenômeno foi rotulado. Catalogado. Teorizado. Assimilado. Aguardado. Cada momento especial só estaria completo com uma auto-visita de seu eu-futuro. Ou então não seria tão especial assim. Olha, não vai rolar, tá? É que eu não apareci então acho que isso não tem futuro. Sou eu, não é você, entende? E todos entendiam. E desesperavam. E deprimiam. Quem se matava por não receber uma visita imediatamente se tornava um paradoxo. Não havia voltado no tempo por não ter um simples momento digno de revisitar ou porque se matou antes da tal máquina ter sido inventada? Filósofos se engalfinhavam nos corredores.

Maternidades começaram a reservar lugares nos quartos para auto-visitas. Pais e mães recebiam com abraços os filhos do futuro. Todo momento se tornou um evento, algo a ser lembrado em uma potencial revisitação. O sucesso de cada situação era medido pela presença ou não de algum viajante do tempo. Mas foi um beijo tão bom! Mas está um dia tão lindo! O que está faltando para se tornar realmente memorável? Por que escolhiam um momento em detrimento do outro?

“Não é assim que funciona”.

Um comentário:

Juliana Toro disse...

Brilhante! =*