05 setembro 2008

Manifesto de um Solteiro Reincidente

Provavelmente vocês, bichos da cidade grande, não sabem direito qual o significado da palavra "arapuca". Pois bem de acordo com a Wikipedia:

Arapuca (arataca ou urupuca) é um artefato, de origem indígena no Brasil, que consiste numa armadilha, feita de paus, com formato piramidal, e destinada a pegar vivos aves, pequenos mamíferos, ou outros animais de caça.
É isso. Uma simples armadilha, normalmente usada para caçar passarinhos que serão logo em seguida enjaulados de modo a privatizar seu canto pelo resto de suas vidas.

Não sei vocês, mas sempre achei a imagem de uma passarinho preso numa gaiola deprimente. Uma criatura que foi feita para voar sendo obrigada a limitar-se num cubículo mínimo, sem chances de alçar alturas, entrar em mergulhos vertiginosos, piruetas, parafusos, loopings, etc. Ficam apenas lá, saltitando de poleiro em poleiro tristemente, sem perspectivas de recuperar a liberdade perdida, sempre correndo o risco do prego se soltar e derrubar a gaiola ou do gato da vizinha decidir fazer um lanchinho no meio da noite. Uma coisa triste. Por que razão um moleque faz uma coisa destas? Qual o motivo que justifica aprisionar uma criatura que nasceu livre, e cuja beleza reside justamente nesta liberdade?

Este preâmbulo ilustra justamente o fato de que eu, novamente solteiro após uma longa relação estável, venho observando nos relacionamentos interpessoais. Não que seja novidade, nada disso. Só estou analisando uma observação minha recente. Mas acho que muitos concordarão.

Desde que me separei ouvi inúmeras vezes pessoas perguntando, como se fosse algo inevitável, quando é que eu irei me enrolar de novo com alguém. Falam como se minha atual situação fosse uma aberração da natureza, algo impensável. Uma pessoa vivendo sozinha? Não, é impossível. Uma hora ou outra ele vai encontrar alguém e vai passar o resto da vida com esta pessoa.

"O RESTO DA VIDA"

Esta é a única frase que consegue arrancar arrepios em minha espinha e congelar minhas entranhas. É uma frase tão apocalíptica, tão definitiva, tão assustadoramente conformista que não consigo deixar de imaginar o pobre passarinho preso em sua gaiola pelo resto de sua existência. Triste, cabisbaixo, desolado. Morto em vida.

Claro, não estou querendo dizer que todo relacionamento é assim. Nem que eu esteja sendo radical ao ponto de sentenciar que nunca mais me envolverei com alguém. Isso seria estúpido. O lance é que cada vez mais vejo que estou sendo rotulado erroneamente pelo simples fato de eu ter escolhido, neste momento de minha vida, não me envolver profundamente com absolutamente ninguém. Desse modo vou tentar responder abaixo todos os argumentos que jogam em meu colo com uma freqüência enervante. Talvez assim eu me faça entender.

  • Você é insensível/tem o coração fechado/frio/endurecido, etc.
Bobagem. Das grossas. Não estou fechado nem fujo de relacionamentos. Só não acho que um relacionamento seja um fator essencial para minha felicidade neste momento. Se acontecer, ótimo. Se não acontecer, ótimo também! Sou um cara facilmente apaixonável. Me apaixono com a mesma facilidade que me desapaixono. E adoro essa montanha russa sentimental. Se conheço alguém, rola aquela troca de olhares, aquela química, luz, som, tato, idéias, risadas, sexo, etecétera e tal, por que não? É gostoso e faz bem! Se essa paixão permanece no dia seguinte, maravilha! Se for recíproca, melhor ainda! Vou encontrá-la de novo. E isso se manterá até o dia que a paixão arrefecer. Acontece. Bola pra frente. Se isso significa que sou frio ou insensível, paciência.

  • Com quem você irá passar sua velhice?
Quer uma lista? Essa pergunta, para mim, é o cúmulo da mesquinharia. Com quem vou passar minha velhice? Oras, tem mais de 6 bilhões de pessoas no mundo! Acho que consigo manter uma roda de amizades até minha velhice. Se eu não tiver uma companheira para morar comigo, chamo um amigo, ou uns amigos, e pronto. Vou jogar gamão na pracinha. Dar risada com outros velhos no boteco. Ver minha filha, meus netos, etc. Até velórios podem ser divertidos com a galera certa. Ninguém é uma ilha se não quiser. E se quiser, qual o problema? Sinceramente prefiro ser um solteiro feliz do que morrer preso numa relação falida apenas por medo da solidão.

  • Um dia você vai encontrar a tampa certa pra sua panela velha.
Puxa, espero que sim! Espero mesmo. Mas não coloco isso como fator preponderante para minha felicidade. Tenho projetos a serem realizados, planos a serem cumpridos, coisas a fazer. Não quero abrir mão disso tudo em nome de uma mera companhia. Caso eu encontre uma pessoa que esteja na mesma sintonia que eu, que respeite minha privacidade, minhas pretensões e anseios, por que não? Mas caso não apareça ninguém continuo do jeito que estou e vou muito bem, obrigado.

  • Uma pessoa nunca pode ser feliz sozinha.
E por que não?! Já fui feliz e infeliz dentro e fora de relacionamentos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Felicidade não é exclusividade de um relacionamento. Se fosse não existiria a lei do divórcio. Uniões civis foram uma invenção que foi criada de modo a oficializar a aquisição de bens, preservar nomes da nobreza e garantir o status quo. É uma "tradição" de mais de 3 mil anos. E que já caducou. Além do mais, quem disse que vou estar sozinho? Leia a resposta da pergunta anterior de novo.

  • Relacionamentos demandam sacrifícios. Você é egoísta demais!
Não me venham com essa asneira. Para TODO tipo de relacionamento, e não só os afetivos, a relação custo/benefício tem que tender para o denominador. A partir do momento que os sacrifícios não justificam mais a recompensa é hora de partir para outra. E não tem problema nenhum nisso! Qual é o grande pecado em pensar na própria felicidade? Estamos nessa vida com o objetivo de aproveitá-la o máximo possível. A partir do momento que um relacionamento se torna um fardo o objetivo final se perde. Chame-me de egoísta, egocêntrico, o diabo! Mas lá no fundo você sabe que estou falando a verdade.

Existem outras afirmações e questionamentos a este respeito, mas vou acabar caindo numa repetição maçante. O lance é o seguinte: caso eu venha a me enrolar com outra pessoa no futuro, será porque ambos QUEREM se envolver, nunca porque PRECISAM. Ninguém precisa de uma companheira ou companheiro para garantir a felicidade, do mesmo modo que um moleque não precisa aprisionar um passarinho cuja atração inicial foi exatamente sua liberdade. Já passou da hora de derrubarmos esse mito. Ser solteiro pode ser tão ou até mais legal do que ser casado. Se você acha que sua felicidade depende exclusivamente de encontrar uma pessoa que vai passar o resto de sua vida ao seu lado (brrr...), tudo bem. Eu respeito isso. Desde que você respeite minha vontade de permanecer solteiro sem rancor, inveja ou outra merda qualquer que só vai servir para encher nossos respectivos sacos.

E tenho dito.

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