29 janeiro 2007

A Cidade Perdida

Vou evitar comentar cinematograficamente o filme de Andy Garcia, A Cidade Perdida (EUA, 2006, disponível em DVD) pois não tenho o conhecimento técnico e a bagagem crítica para tanto, apesar de haverem falhas grotescas até mesmo para um espectador leigo como eu. A edição é confusa, os diálogos pedantes, a trama arrastada, a extensão exagerada... Mas isso não vem realmente ao caso. Não mesmo. Se fosse apenas um filme ruim seria algo que você assiste e depois de duas horas e meia percebe que perdeu apenas 150 minutos de vida, o que, convenhamos, nem é muito (principalmente se compararamos a um livro ruim, por exemplo). Não, o fato do filme ser um péssimo entretenimento nem o abona tanto. O grande problema é a falta de respeito flagrante que o ator/diretor/co-roteirista nos joga na cara. Falta de respeito com a luta contra a opressão que tomou conta da América Latina nas décadas de 50 e 60. Falta de respeito com as vítimas diretas e indiretas dos confrontos. Mas pior que tudo isso, falta de respeito com a História e com seus personagens, utilizando um pseudo discurso moralista e demagogo que com certeza faria George W. Bush aplaudir de pé.

Retratando a vida de uma família de classe abastada de Cuba durante revolução que derrubou a ditadura militar (1952-59), Garcia faz questão de mostrar em sua obra que a luta não passou de um delírio maniqueísta da burguesia cubana, tendo o povo sido apenas um mero coadjuvante na derrocada do ditador Fulgêncio Batista (1901-73), retratado estereotipadamente na trama como um egomaníaco afetado e com delírios de grandeza (até mesmo o sidekick capacho está lá). Sob a ótica alienada de Garcia a revolução foi em todos os aspectos um remédio pior que a doença, e seus protagonistas (notoriamente Fidel Castro e Ernesto "Che" Guevara) não passaram de assassinos cruéis e descontrolados, beirando a sociopatia completa. O filme mostra o aspecto "bárbaro" dos revolucionários cenas sem a menor sutileza, com a clara intenção de diminuir os envolvidos, como por exemplo na cena onde vemos Fidel ser taxado de manipulador ao discursar com uma pomba branca nos ombros ("Guano", diz o personagem de Bill Murray, no pior papel de sua carreira) ou quando testemunhamos o "sanguinário" Comandate Guevara atirando friamente na cabeça de um militar ferido em uma emboscada, argumentando logo em seguida que "os fins justificam os meios". Mais raso, impossível.

Independente da visão que o ator/diretor/co-roteirista desta bomba possa ter da Revolução Cubana vemos que sua intenção nunca foi a de fazer um registro histórico imparcial ou mesmo denunciativo das atrocidades que aconteceram posteriormente à tomada do poder por Fidel Castro (como no infinitamente superior Antes do Anoitecer de Julian Schnabel). Sua intenção foi a de claramente demonizar todos seus envolvidos, desde Batista e seus asseclas apatetados até os militares corruptos, a polícia ineficiente, os guerrilheiros limítrofes e, sobretudo, o povo ignorante. Apenas o protagonista Federico Fellove (Garcia), dono de uma boate que não se rende à máfia (resumida a uma ponta medíocre do decadente Dustin Hoffman), parece perceber o que acontece ao seu redor, o que o leva a fugir da ilha em busca de um lugar onde ele tenha mais liberdade (sim, ele vai para Nova Iorque...), abandonando a família e o grande amor de sua vida (sua cunhada viúva, num dos incontáveis clichês utilizados). Lá ele terá que sobreviver como puder até que a complacente Terra da Oportunidade se abra para ele (sim, isso acontece...). É de uma auto-indulgência enojante.

É uma pena ver uma reunião de elenco tão talentosa ser desperdiçada desta maneira. Triste ver atores do calibre de Bill Murray e Dustin Hoffmann serem sub-utilizados como papagaios-de-pirata (referência geográfica involuntária) em uma produção medíocre e mal conduzida como esta. Se eu tinha algum respeito pelo ator Andy Garcia este respeito se liqüefez ao conhecer suas facetas como diretor e roteirista. Uma decepção completa.

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