21 novembro 2006

Quer pagar quanto?!

Imagine a cena: um garoto entra em uma empresa de grande porte e pede emprego. Ele será então levado até o departamento de RH, onde será entrevistado. Agora imagine uma entrevista assim:

Entrevistador: - Muito bem, qual a vaga pretendida?

Garoto: - Analista de sistemas.

E: - Ótimo! Exatamente o que estávamos procurando! Você tem um currículo?

G: - Não. Precisava?

E: - Ajudava. Mas tudo bem, você pode preencher uma ficha padrão. Vejamos: onde você se formou?

G: - Não me formei. Aliás, nem estudei em lugar nenhum...

E: - Hum, tudo bem. Mas você tem alguma experiência profissional?

G: - Nenhuma. Esta é a primeira empresa que eu entrei.

E: - Não entrou ainda. Mas e experiência em programação? Tem alguma?

G: - Arrã. Já fiz uns programinhas em Logo no computador de casa. Fiz um trenzinho que atravessava a tela. Bem bonito. Também programei bastante em Basic, no MSX do meu primo. Um programinha meu até foi publicado em uma revista...

E: - Que revista?

G: - "Micreiros". Só teve um número. Meu primo mesmo que editou. Não foi pra frente. O Xerox era muito caro.

E: (Faz um longo muxoxo)

G: - E aí? A vaga é minha?

Pausa. Qual em sua opinião seria a resposta do entrevistador? Três opções:
a) Desculpe, mas não temos nenhuma vaga que se encaixa em seu perfil. Passar bem.

b) Claro! Sabe, nós somos uma empresa com veias filantrópicas. Não ligamos a mínima para ganhar dinheiro. Achamos um desafio pegar uma massa bruta como você e moldar em um profissional competente. É para isso que nós existimos, para dar a você, pobre mentecapto, uma chance de ser alguém! Seja muito bem vindo à nossa corporação!

c) Claro! Só que, veja bem, o acordo é um pouco diferente do que você está imaginando. Nós te damos a vaga, sem problemas. Só que você vai ter que pagar para a gente o seu salário. Digamos, três mil por mês está bom? Você programa para a gente nas linguagens que quiser, e caso algum cliente nosso se interessar por um programa de sua autoria, te pagamos uma mísera comissão em cima do valor de venda do programa. Que tal?
Obviamente a resposta natural seria a alternativa A. As outras poderiam fazer parte de um episódio de Além da Imaginação ou algo semelhante. Mas vamos analisá-las mesmo assim.

A alternativa B é o sonho de qualquer desempregado. Conseguir um emprego legal sem precisar estudar ou ter experiência anterior. É um emprego de mão beijada de uma empresa extremamente maternal. Já a C é o oposto. Um pesadelo completo. O pobre coitado além de trabalhar sem perspectivas de ganhos, teria que PAGAR para isso! É uma situação óbvia de golpe. Quase escravidão!

Os mais sagazes com certeza já entenderam a analogia. Sim, é sobre o mercado editorial. A alternativa A é a resposta padrão de uma editora tradicional. Perceba que o entrevistador nem se deu ao luxo de ler o programa escrito pelo garoto. E por que? Porque ele sabe que será algo que não o interessará, que não trará lucros ou benefícios de qualquer tipo à sua organização. Por outro lado a alternativa B simboliza o que um escritor espera de uma editora. É uma perspectiva irreal e fadada à decepção. Já a C, bom, ela simboliza o real objetivo destas linhas: as famigeradas "editoras sob-demanda".

E por que famigeradas? Porque elas apregoam serem "prestadoras de serviço", quando na verdade são apenas "buracos negros do seu dinheiro". Os únicos que realmente lucram com a impressão de livros sob demanda são os donos da "editora". Nem escritores nem leitores são beneficiados. Nem monetariamente, nem em termos de divulgação do trabalho. Confessa: quantos livros "artesanais" como estes você comprou espontaneamente no último ano? Aqueles lançados por seus amigos que você comprou para "dar uma força" não contam!

Entenda de uma vez: ser escritor é uma profissão como qualquer outra. Não é apenas sentar na frente de um computador e colocar uma palavra atrás da outra. Requer estudo e muita, mas MUITA prática. Requer tanta dedicação e empenho quanto qualquer outra carreira intelectual. E por que esta profissão deveria seguir padrões tão estapafúrdios como os apresentados na anedota aí em cima? Duvido muito que qualquer um aceitasse trabalhar nas condições impostas pela alternativa C. Então por que as aceitam quando se tornam escritores?

Eu sei na pele o quanto é difícil agüentar as recusas das editoras. Não é algo fácil de digerir, pois, diferente de profissionais mais "braçais" (sem ofensas), escritores se consideram Artistas (com A maiúsculo mesmo). Querem ser lidos, nem que para isso tenham que abrir mão de RECEBER pelo próprio trabalho e até mesmo PAGAR uma dinheirama para isso. É aí que estas tais "editoras sob-demanda" cravaram seus dentes. E nós, impulsionados por nossos egos inflamados e pela carência de atenção, caímos em seu golpe. Vendemos carro, fazemos empréstimos, passamos necessidades, brigamos com a família, sujamos nosso nome, fazemos o diabo em nome da arte. E todo este esforço termina na maioria das vezes com uma casa abarrotada de livros encalhados e o escritor de volta ao ponto de onde começou: desconhecido e pouco lido. Além de um pouco mais pobre.

Claro, há exceções. Todo escritor pode citar outros que saíram do anonimato bancando a primeira edição de seu primeiro livro. Mas é a velha mania de confundir as exceções com a regra. Garanto que para cada escritor que conseguiu, seja por sorte ou por competência, engrenar uma carreira de sucesso bancando o primeiro livro há pelo menos mil outros que morreram no esquecimento e no cheque especial.

Não estou de forma alguma justificando com este discurso a atitude de grande parte das editoras convencionais, que levam meses (até anos!) avaliando um original, para depois recusar sem maiores explicações, às vezes sem ao menos lerem o material. Na maioria das vezes nem mesmo respondem se sim ou se não. Simplesmente deixam o escritor se remoendo de angústia. Mas um erro não pode justificar outro muito pior. O mote de “tudo pela arte” não pode ser subvertido em uma servidão contratual consentida. É algo que não faz sentido, não deveria ser sequer cogitado por escritores aspirantes. E mesmo assim, o que vemos é a proliferação destas editoras golpistas e em sua maioria mal intencionadas, que lucram inescrupulosamente em cima do trabalho alheio. E um monte de pessoas que caem neste golpe voluntariamente.

Este é um tema espinhoso e polêmico (comentários são incentivados), que ainda vai render outros pôstes, mas este já ficou muito longo. Depois eu continuo. Mas gostaria de saber sua opinião a respeito.

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