19 outubro 2006

Sobre escrever (Parte 2)

Eu ia escrever um pouco mais sobre o processo criativo, mas coincidentemente me deparei com uma coluna de um tal de Stephen King (conhece?) no Washington Post (em inglês) falando exatamente a este respeito. Vou então dar uma chance ao rapaz e citá-lo aqui neste humilde espaço. A tradução livremente ruim é minha.
"Há um mistério cercando a escrita criativa, mas é um mistério entediante, a menos que você esteja interessado neste pequeno animal, algumas vezes bem raivoso, que faz sua toca em arbustos. É uma coisinha rabujenta e pulguenta, e que cheira a alguma coisa nojenta que ele tenha rolado em cima. Ele não pode ser nunca mais do que semi-domesticado e não é conhecido por sua lealdade. Eu falarei mais a respeito deste monstrinho - que os gregos deram o comicamente nobre nome de Musa, que significa canção - mais tarde, mas neste meio tempo acredite em mim quando eu digo que há pouco mistério ou tragédia a respeito de todo o resto, e é por esta razão que nunca mostram os roteiristas trabalhando nos making of's dos filmes, apenas as bebedeiras e as heróicas vomitadas ao amanhecer.

"Aprenda isso: A assim chamada "Vida de Escritor" é basicamente sentar e escrever".
Neste ponto, apesar da argumentação interessante, eu discordo. Sim, vista de fora a rotina do escritor realmente é essa. Sim, pensando em termos "aventurescos", ser escritor pode ser visto como uma profissão ou ocupação bastante maçante. Mas, como costumo dizer, escrever é muito mais do que sentar e colocar uma letra depois da outra. É algo que permeia nossa vida. O ato de sentar e escrever, numa analogia exagerada, pode se comparar ao ato sexual após toda a paquera, flerte e sedução do sexo oposto. E o resultado desta etapa derradeira depende muito das preliminares.

Antes de sentar a bunda na cadeira e sair digitando, muita preparação é feita. Há a inspiração, que é aquele estalo fugaz que precisa ser capturado imediatamente, sob o risco de vê-lo perdido. Há o momento de estruturação mental da trama, e depois o primeiro esboço (ou mapa) no papel. Há a criação dos personagens, das ambientações, dos detalhes físicos, etc. Há o primeiro planejamento dos capítulos. Há a escolha (essencial) do modo como a história será contada. Só então o escritor senta a bunda na cadeira e despeja seu conteúdo. Uma coisa que o escritor deve ter sempre em mente é que seu leitor não é burro, e perceberá quando está sendo enganado. Para evitar uma história mal amarrada e pouco convincente, muita preparação é necessária antes de começar a escrever.

Mudando de tópico, vejam o que King diz sobre o famigerado "Bloqueio do Escritor":
"Pode haver um período de semanas ou meses quando ele (o tal monstrinho) não aparece; isto é o chamado Bloqueio do Escritor. Alguns escritores no meio de um Bloqueio pensam que suas musas morreram, mas não acho que isso aconteça tão freqüentemente; Penso que o que acontece é que os escritores pulverizam os cantos de suas clareiras com iscas venenosas de modo a manter suas musas longe, freqüentemente sem saber que estão fazendo isso".
É um modo lírico de analisar, mas pessoalmente prefiro a definição que Raimundo Carreiro coloca em sua Oficina Literária Online (acesso gratuito):
"O texto travou, o escritor travou. Sim, isso mesmo. Olho no texto, palavra por palavra. Agora você já sabe, descobriu. Travamos porque não conhecemos a personagem. Não o suficiente".
Compartilho desta impressão. Quando travamos, devemos retornar ao conteúdo material do texto, à pesquisa, à construção dos personagens. Precisamos reler, adicionar elementos às histórias de cada um deles, criar em cima do material de pesquisa. Tirar os olhos da trama e olhar o cenário. Isso funciona para tudo, aliás.

Mas o texto de Stephen King tem seus méritos (o rapaz tem potencial). Destaco principalmente o trecho abaixo, de uma maturidade surpreendente para um iniciante como ele:
"Sempre me perguntam se aulas de escrita podem ajudar, e minha imediata e entusiasta resposta é sempre Sim! Aulas de escrita são maravilhosas para os escritores que as ministram e é impossível fechar as contas sem esta renda suplementar".
Um toque de cinismo à ironia sempre é bem vindo por este escritor aqui.

(Antes que me encham o saco, não, eu não sou fã do trabalho de Stephen King. Pelo contrário, acho sua produção bastante irregular. Gosto bastante de alguns livros, mais simplesmente ojerizo outros.)

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